Esta é a segunda parte do artigo que desvenda todas as características dos corantes naturais em uma pesquisa do professor Paulo Cesar Stringheta e da Mariana de Melo Cazal.
Na segunda parte estão publicadas a parte complementar do conteúdo e a conclusão do trabalho.
Esperamos que o artigo atenda a suas expectativas trazendo conteúdo para entender melhor todos os benefícios dos corantes naturais bioativos. Boa leitura!
1. CURCUMINA
Historicamente, os rizomas tumerosos da cúrcuma (Curcuma longa) têm sido usados há aproximadamente 6000 anos pela medicina tradicional da Índia, devido às suas propriedades terapêuticas, tais como antinflamatória, antimicrobiana e antiviral, bem como uma especiaria para a alimentação humana. O principal componente extraído da cúrcuma é a curcumina, que também é responsável por suas ações bioativas.
A curcumina é um pigmento de cor amarelo – limão brilhante, usado em bolos, queijos, sorvete, margarina, mostarda, bebidas, cereais e coberturas de doces (BEZERRA et al., 2013). Na culinária, a cúrcuma é o açafrão da terra e um dos ingredientes do Curry, um condimento que além do sabor picante confere aos pratos uma cor amarelo vivo (HAMERSKI et al., 2013; MASCARENHAS, 1998).
A curcumina é um potente antioxidante (ANTUNES; BIANCHI, 2004) que protege contra danos oxidativos a componentes celulares e o câncer, principalmente o de pele e o de mama (DOWNHAM; COLLINS, 2000; FINLEY, 2005). Tem sido relatada sua ação na inibição, promoção e progressão de cânceres (DOWNHAM; COLLINS, 2000; FINLEY, 2005). A curcumina é um potente inibidor de mutagênese e carcinogênese induzidas, com atividade anti-inflamatória, inibindo também a resposta de neutrófilos e a formação de superóxidos em macrófagos.
A curcumina do curry indiano foi capaz de inibir a angiogênese induzida pelo fator de crescimento de fibroblastos-2 (FGF-2), propriedade importante para a diminuição da capacidade de formação de metástases neoplásicas (MOHAN et al., 2000). Ainda, a curcumina inibe tumores e estimula a apoptose, ou seja, a morte de células diferenciadas, com eficiência no tratamento do melanoma.
A apoptose foi verificada quando se usava curcumina em maiores concentrações por um curto período de tempo ou mesmo em menores concentrações por um período de tempo maior. Desta forma, a curcumina tem sido estudada não somente para a prevenção do câncer, mas também durante o seu tratamento (DOWNHAM; COLLINS, 2000; ANTUNES; BIANCHI, 2004).
Estudos em modelos pré- clínicos de carcinogênese demonstraram que a curcumina comercial apresenta os mesmos efeitos anticâncer que a curcumina pura (HAMERSKI et al., 2013). De fato, existem muitos dados na literatura indicando uma grande variedade de atividades farmacológicas da curcumina. In vivo, existem experimentos mostrando potenciais efeitos anti-inflamatórios e antiparasitários da curcumina, bem como de extratos da cúrcuma (ARAÚJO; LEON, 2001).
Ainda, age como um agente antibacteriano, promove a detoxificação do fígado além de relatos de suas propriedades anti HIV (DOWNHAM; COLLINS, 2000). Em relação à sua atividade anti-inflamatória, alguns autores associam esta atividade da curcumina e seus derivados à presença de grupos hidroxil e fenólicos na molécula, sendo essencial para a inibição das prostaglandinas e leucotrienos.
Em contrapartida, alguns autores sugerem que sua ação anti-inflamatória está associada à existência de sistemas β-dicarbonílicos com dupla ligação conjugada, sendo responsáveis por esta atividade. Este sistema parece ser o responsável não apenas pelo poder anti-inflamatório, mas também pela atividade antiparasitária (ARAÚJO; LEON, 2001). Pesquisadores relataram resultados positivos da cúrcuma em relação à esta atividade anti-inflamatória em edemas agudos e artrites.
O efeito antibacteriano do óleo volátil de Curcuma longa, in vitro, suprimiu uma longa variedade de micro-organismos. Já a curcumina somente inibiu Staphylococcus aureus, enquanto seu extrato alcoólico induziu mudanças morfológicas em Streptococcus, Lactobacillus e Staphylococcus, e foi eficaz contra Entamoeba histolytica. A curcumina e seus derivados também estão sendo estudados quanto a sua atividade para o tratamento da doença de Alzheimer. A pesquisa teve início após a observação do baixo número de casos dessa doença na Índia (HAMERSKI et al., 2013).
Sobre a segurança na ingestão da Curcuma, foram feitas algumas pesquisas sobre o possível efeito tóxico do corante. A dose de 500 mg/kg de peso corporal e seu extrato alcoólico na dose de 60 mg/kg de peso corporal, adicionados à dieta de ratos, por três gerações, não demonstrou diferença significativa nos índices de fertilidade, de gestação, de viabilidade e de lactação e na média do número de filhotes vivos, entre os animais submetidos aos tratamentos e o controle.
Em estudo de suplementação de dieta de macacos foi utilizada a dose de 2,5 g de cúrcuma/kg de peso corporal, e 300 mg de extrato alcoólico /kg de peso corporal, por três semanas. Comparados aos controles, não foram observados efeitos relacionados ao tratamento quanto à mortalidade, ganho de peso ou exames patológicos de coração, fígado e rins.
2. CARMIM DE COCHONILHA
O termo carmim é usado mundialmente para descrever complexos formados a partir do alumínio e do ácido carmínico. Esse ácido é extraído a partir de fêmeas dessecadas de insetos da espécie Dactylopius coccus.
O termo cochonilha é empregado para descrever tanto os insetos desidratados como o corante derivado deles. Muitas espécies desses insetos têm sido usadas como fonte de corantes vermelhos (HENRY, 1996; CONSTANT et al., 2002). Trata-se de um excelente corante, usado em produtos de padaria, sorvetes, iogurtes, balas, bombons, sobremesas, carnes processadas, picolés, gelatinas, bebidas alcoólicas, sopas, molhos, xaropes, conservas e laticínios (MASCARENHAS, 1998; DOWNHAM; COLLINS, 2000; CONSTANT et al., 2002).
Dentre as suas propriedades funcionais, o carmim tem sido estudado em relação aos efeitos regulatórios nos níveis séricos de lipídios plasmáticos. Um estudo avaliou a ação do flavonoide biochanina A isolada e em associação com o corante natural carmim sobre o metabolismo lipídico de ratos machos, da raça Wistar. Foram dosados colesterol total, colesterol HDL e triacilgliceróis após administração de duas doses do composto isoladamente e em mistura. Os resultados mostraram que a associação do composto biochanina A + carmim apresentou melhor resultado para colesterol total (com redução de 59,9%) e triacilgliceróis (com redução de 68,9%).
Os autores concluíram que este resultado evidencia um efeito sinérgico da biochanina A com o carmim, o que possibilita sua futura utilização no tratamento das hiperlipidemias (OLIVEIRA et al., 2002).
3. BETALAÍNAS
As betalaínas são pigmentos nitrogenados, solúveis em água que estão localizados no vacúolo das plantas. Produzem coloração vermelha, amarela, pink e laranja em flores e frutas, sendo que a beterraba constitui o principal representante deste pigmento (DELGADO-VARGAS et al, 2000; SCHOEFS, 2004; CAI et al, 2005).
Atualmente, a beterraba representa também a principal fonte comercial da betalaína (concentrados ou pó), sendo restrito o uso da betalaína do tipo betanina como corante natural, portanto apresentando uma pobre variabilidade de cor. Porém, possuem uma grande aplicabilidade em alimentos por sua excelente solubilidade e boa estabilidade. Esse corante é aplicado em gelatinas, sobremesas, produtos de confeitaria, misturas secas, produtos avícolas, lacticínios e produtos cárneos (DELGADO-VARGAS, 2000). Dentre suas propriedades funcionais, as betalaínas são identificadas como potente antioxidante natural e apresentam alta biodisponibilidade em humanos (STRACK et al., 2003; TESORIERE et al., 2004; NETZEL et al., 2005).
A atividade antioxidante deste corante é maior que a do Trolox (composto solúvel em água análogo a vitamina E), ácido ascórbico, rutina, catequina, ß-caroteno e α-tocoferol (SLIMEN et al., 2016). Em estudo que avaliou a atividade antioxidante de 19 diferentes betalaínas de plantas da família Amaranthaceae, os resultados confirmaram que todas as betalaínas testadas exibiram forte atividade antioxidante (CAI et al., 2005). Após estudos de biodisponibilidade, alguns autores sugerem que as betalaínas estão envolvidas na proteção da partícula de LDL-colesterol contra modificações oxidativas (NETZEL et al., 2005; TESORIERE et al., 2004). Tesoriere et al. (2004) avaliaram as concentrações de vitamina E, beta- caroteno e betalaínas incorporadas nas partículas de LDL-colesterol após a ingestão de 500 g da fruta cactus pear (Opuntia fícus-indica) por 8 voluntários saudáveis.
Após a ingestão, as concentrações de vitamina E e beta-caroteno na partícula de LDL-colesterol não modificaram significativamente, diferentemente da concentração de betalaínas que, quanto mais incorporavam nas partículas LDL-colesterol, mais resistente ao estresse oxidativo estas partículas demostravam-se. Outras propriedades funcionais das betalaínas incluem atividades antivirais e antimicrobianas. Ainda, as betaninas (em forma de extratos da beterraba) demonstraram atuar também na prevenção de alguns tipos de câncer, dentre eles os cânceres de pele e fígado, devido suas propriedades carreadoras de radicais livres (capacidade antioxidante) (LILA, 2004).
4. MONASCUS
Monascus é um gênero de mofo. Entre as espécies conhecidas desse gênero, o Monascus purpureus, de pigmento vermelho, está entre os mais importantes devido ao seu uso na produção de certos alimentos fermentados no leste da Ásia, principalmente na China e no Japão.
O Monascus purpureus foi primeiramente mencionado numa monografia da medicina chinesa publicada em 1590, onde foram descritos os procedimentos de fabricação do arroz vermelho fermentado e também suas atividades terapêuticas.
Dentre as doenças citadas como tratadas por esse produto estão indigestão, contusão muscular e disenteria. O extrato de Monascus purpureus, pode ser uma alternativa a nitritos na produção de coloração vermelha em produtos cárneos, o que ocasionaria menor formação de compostos nitrosos formados em carnes curadas, consequentemente, reduziria a genotoxicidade e mutagenicidade desses alimentos.
Estudos sobre o efeito anticolesterolêmico de pigmentos de Monascus purpureus, mostraram que, em animais hiperlipidêmicos induzidos por alimentação, houve influência no metabolismo lipídico que, manifestando-se com redução dos níveis de colesterol total, HDL-colesterol e triacilgliceróis plasmáticos. O Vermelho Koji, que há muito é reconhecido na medicina popular Chinesa por melhorar a digestão alimentar e a circulação sanguínea, tem sido consumido como suplemento alimentar por conter compostos funcionais, como Monacolina K, que mantém saudáveis os níveis de lipídeos no sangue pelo decréscimo da biossíntese de colesterol pelo organismo (CHEN; HU, 2005). Uma série de agentes hipocolesterolêmicos tem sido encontrados e chamados monacolinas J, K e L.
Essas policetídios estão presentes no arroz vermelho fermentado e têm a capacidade de inibir especificamente a enzima controladora da velocidade de biossíntese do colesterol, sendo usadas na medicina chinesa tradicional e moderna (DUFOSSÉ et al., 2005). Cícero et al. (2005) desenvolveram um trabalho para avaliar os efeitos de um suplemento alimentar contendo Monascus purpureus (monacolina K) em relação aos níveis de colesterol plasmático. Os resultados foram similares com os de um grupo controle que fez o uso de Pravastatin.
O suplemento utilizado foi uma mistura de extrato de M. purpureus, álcoois-alifáticos-lineares (60% octanol) e niacina. Ao que parece, Monascus e os álcoois atuam em sinergismo, pois um regula e o outro inibe a enzima 3-hidroxi-3-metil-glutamil-coenzima A redutase (HMG-CoA redutase). Como esses dois compostos não possuem efeito significativo nos triglicerídeos, foi adicionada niacina, que tem um conhecido efeito benéfico sobre eles e, em altas dosagens, nos níveis de HDL-colesterol no sangue.
Nos dois grupos foram observadas diferenças significativas na redução de colesterol total, LDL-colesterol e triglicerídeos totais, tanto para homens como para mulheres. O trabalho apresentado teve como objetivo indicar que o Monascus pode ser uma alternativa para o uso de estatinas (medicamentos utilizados na redução de colesterol) em tratamentos preventivos. Com essa função, o suplemento alimentar proposto teve bom resultado (CÍCERO et al., 2005).
5. INTERAÇÕES ENTRE OS CORANTES
Valente (1998) realizou um experimento com o objetivo de avaliar o efeito dos corantes naturais cúrcuma, antocianinas (cascas de uva), carmim e monascus nos níveis de colesterol e triacilgliceróis sanguíneos, em ratos hiperlipidêmicos. Foram testadas duas dosagens: 40 e 80 mg, em doses únicas misturadas a 10g de ração para cada corante avaliado.
Os resultados obtidos mostraram que a administração desses corantes resultou em diminuição significativa dos níveis de colesterol total sérico e HDL-colesterol, com as duas doses testadas, verificando-se maior efeito de redução com a dose de 80 mg; com exceção do corante carmim, os demais corantes (cúrcuma, antocianina e monascus) apresentaram redução significativa dos níveis de triacilgliceróis séricos nas duas doses testadas, não tendo sido observada diferença significativa entre as doses de 40 e 80 mg. Pereira (1999) testou o efeito de flavonoides, corantes naturais e suas associações, em duas e três doses, sobre o controle do colesterol, triacilgliceróis e HDL-colesterol sanguíneo em animais de laboratório induzidos a hiperlipidemia. Os flavonóides testados foram kaempherol, biochanina A e naringina. Dentre os corantes naturais, os testados foram monascus, antocianina, carmim e clorofila.
Os resultados mostraram que a redução dos níveis de colesterol foram maiores nos grupos que receberam flavonoides do que nos que receberam corantes naturais. Por outro lado, pode-se observar que os grupos que apresentaram os melhores resultado na redução do colesterol total e triacilgliceróis foram os que receberam uma mistura de flavonoides e corantes naturais, sugerindo que os corantes naturais potencializam a ação dos flavonoides, otimizando suas propriedades, obtendo-se resultados mais expressivos. A clorofila foi o único corante que não apresentou redução significativa dos níveis lipídicos, isoladamente ou em associação com os flavonoides, provavelmente porque produz ácido fitânico e pristol que são ácidos graxos, não afetando assim a redução de lipídeos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diversas classes de corantes naturais apresentam propriedades bioativas, as quais apresentam potencial para reduzir o risco de diversos tipos de doenças como as cardiovasculares e câncer, principalmente. Deve-se considerar, porém, que compostos endógenos e mesmo elementos essenciais, quando administrados em doses elevadas são tóxicos e que, por isso deve-se levar em consideração não só o composto, como sua quantidade adicionada no alimento.
Para uma melhor avaliação dos efeitos alegados em diversos estudos, faz-se necessária a definição de doses e protocolos de tratamentos, bem como a realização de estudos complementares sobre seus mecanismos de ação no processo de desenvolvimento de doenças antes de sua prescrição em larga escala. A duração e as diferentes doses utilizadas nos estudos, que variam entre doses fisiológicas e farmacológicas, nem sempre permitem uma comparação entre eles. Por fim, aliada às suas tão desejadas características de conferir cor aos alimentos, os pigmentos naturais apresentam importantes vantagens, tanto para o consumidor como para a indústria.
O consumidor, além de não ter sua saúde afetada negativamente como pode ocorrer com o consumo de alimentos que têm em sua formulação os corantes sintéticos, poderá, pelo contrário, ter uma melhoria em muitas de suas funções biológicas. A indústria, por sua vez, poderá associar à sua marca produtos com todas estas vantagens, podendo inclusive agregar valor a seu “mix” de produção, com esta diferenciação conseguida pelo uso destes aditivos naturais. Dessa forma, a tendência no mundo é a redução (ou eliminação) da dependência dos corantes artificiais, substituindo-os pelos naturais.
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gostei muito do site parabéns 🙂