Os consumidores nem sempre ficam impressionados com produtos desenvolvidos cientificamente, entretanto, veremos como que a ciência cabe no marketing de alimentos. Às vezes, os consumidores gostam de produtos criados com ciência e outras vezes não. Na pesquisa da Universidade de Notre Dame mostra que tudo depende do que o profissional de marketing está tentando vender: prazer sensorial ou praticidade.
Mais de 7.000 americanos participaram de uma série de 10 estudos experimentais. Em “Tire sua ciência daqui: quando invocar a ciência no marketing de produtos de consumo sai pela culatra? ” publicado no Journal of Consumer Research de feitos por John Costello. Ele é professor assistente de marketing da Mendoza College of Business de Notre Dame, com Aviva Philipp-Muller da Simon Fraser University e Rebecca Walker Reczek da Ohio State University.
Os estudiosos concluíram que os clientes são menos propensos a adquirir um item se este for descrito como cientificamente desenvolvido, em comparação com quando a ciência não é mencionada.
Costello e o comportamento do consumidor
“Isso ocorre porque as pessoas estereotipam o processo científico como competente, mas frio, semelhante ao que estereotipam os cientistas”.
John Costello
Nesse sentido, Costello, que pesquisa o comportamento do consumidor com foco na resposta psicológica às comunicações de marketing e comportamentos pró-sociais. “Como consumidores, tendemos a associar prazer e prazeres sensoriais com calor. Isso significa que há um descompasso entre nossas expectativas de que produtos agradáveis são quentes e nossa sensação de que a ciência é fria”.
Em 10 estudos envolvendo produtos alimentício, a equipe revela que essa incompatibilidade torna uma afirmação científica sobre produtos focados no prazer pareça estranha. Dessa forma, é isso que reduz o desejo de compra das pessoas.
De acordo com Costello, em estudo com 511 pessoas, quando o biscoito de chocolate foi descrito cientificamente para ter sabor de chocolate, os alunos tiveram 30% menos probabilidade de escolher e comê-lo, em comparação quando a ciência não foi mencionado.
O marketing de alimentos consegue reduzir o efeito negativo de usar a ciência?
Contudo, os profissionais de marketing de alimentos podem reduzir o efeito negativo de usar a alegação científica. Conforme outra pesquisa com 814 pessoas, se primeiro disserem que a ciência é necessária para fazer o produto, os consumidores terão mais interesse.
Quando leram pela primeira vez um artigo sobre como a química é uma parte necessária da panificação, as pessoas ficaram igualmente interessadas em um biscoito cujo sabor foi desenvolvido usando a ciência como algo que não está associado à ciência.
John Costello
Nem todos, no entanto, responderam negativamente à ciência combinada com prazer.
As pessoas que confiam nos cientistas não reagem negativamente às alegações científicas de uma marca de sabonete líquido. Dessa maneira, as pessoas que não estereotipam a ciência como fria também não reagem negativamente às alegações científicas de produtos focados no prazer.
Muitos consumidores têm sentimentos conflitantes sobre a ciência nos produtos, apesar de socialmente dependerem cada vez mais deles. Dessa forma, os profissionais de marketing de alimentos precisam ter cautela ao discutir o processo científico de criação de produtos que os consumidores estão comprando por gosto.
“É claro que, às vezes, um processo científico é o que dá a um produto ou marca sua vantagem competitiva”, disse Costello. Então, os profissionais de marketing devem lembrar de que até os produtos que não usam ciência- como os biscoitos – são feitos com um processo científico.
Caso você queira saber mais sobre marketing alimentar, acesse nosso artigo que relaciona com empatia AQUI.
Curiosamente, o estudo também identifica várias variáveis que moderam quando invocar a ciência no marketing de produtos de consumo sai pela culatra. Esses insights podem ser usados em estratégias de segmentação por gerentes de marketing.
Ademais, é importante ter uma visão antropológica para lidar com esses sentimentos conflitantes sobre a ciência no desenvolvimento de produtos dos consumidores, não só sobre o uso da ciência mas também sobre o conceito de inovação.
Integração da inovação na sociedade
“A inovação de produtos não acontece a menos que toda a sociedade esteja a bordo”.
Ulrich Ufer, um dos principais pesquisadores sobre o conceito e a história da inovação a partir de uma perspectiva antropológica.
Segundo Ufer, a inovação não é um processo no qual uma nova ideia ou produto é criado e depois “difundido” para as pessoas. Em vez disso, depende de um processo de mão dupla, no qual a pessoa que recebe a inovação é tão importante quanto o inventor.
A verdadeira inovação depende de mais do que apenas uma recepção passiva. Assim, para que a inovação realmente funcione, ela deve se tornar um fato social total, deve ser realmente integrada à sociedade.
A afirmação de Ufer é reforçada por várias pesquisas entre empresas inovadoras. Observa-se que a “resistência cultural à mudança” ou alguma variação dela está sempre no topo da lista de obstáculos para inovações.
Ele enfatiza a importância de trabalhar a recepção dessa inovação, isso pode ser trabalhado usando a antropologia e a criatividade quando:
- Eles são adaptáveis e falam a contextos;
- Permitem a recombinação com o que já existe e é conhecido;
- Eles podem ser acessados e compartilhados facilmente;
- Eles transcendem a familiaridade com momentos de estranhamento;
- Ou “fazer o cérebro funcionar” desencadeando conexões entre memórias e expectativas ou falando com diferentes sentidos do corpo.
A força da antropologia é justamente o que o termo significa, é uma ciência do homem. Colocamos o indivíduo ou o grupo de pessoas, suas identidades, suas vidas cotidianas, no centro. Estudando culturas humanas a longo prazo, obtemos perspectivas críticas sobre os exageros atuais, ou suposições amplamente aceitas sobre o que é normal. Estudar a alteridade está muito no coração da antropologia, e é esse potencial de diferença e diversidade que impulsiona a inovação e a recepção criativa.
O que a indústria de alimentos pode aprender com a antropologia?
Primeiro, é importante pensar nos consumidores como seres humanos completos e não como somente consumidores.
Em segundo lugar, as inovações não devem ser produtos acabados. Assim, eles só podem ser usados para fins pré-determinados e muito específicos, pois isso sufoca a criatividade e, portanto, a aceitação. Isso permite que as pessoas usem a inovação conforme ela se encaixa em sua vida.
E terceiro, é importante começar a pensar nas consequências culturais de uma inovação em um estágio muito inicial –– talvez até no laboratório. Dessa forma, pode evitar o uso indevido, tanto em termos éticos quanto práticos.
Quer entender mais sobre o assunto? Indicações de leitura:
Artigo – Anthropology, Technology, and Innovation de Susan Squire. Link: https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190854584.013.17
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